domingo, 9 de agosto de 2009

Siri Hustvedt – Entrevista a propósito de “Aquilo Que Eu Amava”

Siri Hustvedt – Entrevista a propósito de “Aquilo Que Eu Amava”

fonte: http://portalivros.wordpress.com/2009/01/13/siri-hustvedt-entrevista-a-proposito-de-aquilo-que-eu-amava/


Siri Hustvedt, escritora norte-americana nascida em 1955 no Minnesota, tem diversos romances editados em Portugal, entre os quais o denso e envolvente “Aquilo Que Eu Amava” (Edições ASA). A acção arranca em 1975 no Soho, em Nova Iorque, e leva o leitor a conhecer a amizade entre duas famílias ao longo de um quarto de século. Tudo começa numa galeria de arte, onde Leo Hertzberg, o narrador, se apaixona por um quadro de um pintor até então pouco conhecido, Bill Wechsler. Os dois travam conhecimento e tornam-se amigos para a vida. Através dessa amizade acompanhamos de uma forma muito realística a história de duas famílias, as suas alegrias, desencontros, perdas e tragédias. Siri Hustvedt, mulher de Paul Auster, falou de si e desta obra que considera “dolorosa”.

Porque optou por escrever um romance sobre família, amizade, amor, dor e perda?
Não se trata bem disso. Tudo começou com uma espécie de ideia abstracta. Normalmente, começo com algo mais pequeno e neste caso foi com uma imagem muito simples de um sonho que tive de uma mulher muito gorda deitada numa cama. Foi assim que nasceu uma história que me levou seis anos a escrever.

Então, por que foi que a história levou o rumo que levou?
Foi algo inconsciente. A gestação de uma história é um processo interno, não é nada imposto por mim de fora. Tenho o meu narrador, um historiador de arte, que observava um quadro e foi assim que tudo começou a mover-se…

Quer isso dizer que quando arranca para a escrita de um romance não faz ideia de como ele se vai desenvolver?
É verdade, quando começo um romance não sei no que ele vai dar.
Porque optou por se colocar “dentro” de um homem ao escolher um narrador masculino?
Nunca tinha escrito um livro sob um ponto de vista masculino. O meu primeiro romance (“De Olhos Vendados”) era narrado na primeira pessoa por uma mulher e no segundo (“Fantasia de Uma Mulher”) a narração era na terceira pessoa, mas o protagonista era uma jovem mulher. Pensei que era tempo de optar por uma “voz” de homem.

Foi difícil “entrar” na mente de um homem?
De início estava com um pouco de ansiedade, mas com o tempo tornou-se bastante fácil. Acho que isto acontece porque todos temos “vozes” de homem e mulher dentro de nós. Muita gente não vive isolada, não vive num convento, do outro lado, e estas vozes são parte da nossa imaginação.

Não pediu a ajuda a amigos do sexo masculino?
(risos) Não! Mas com certeza que recorri às experiências que tive com homens ao longo da minha vida. O meu pai, o meu marido, os meus amigos, todos os homens da minha vida se tornaram parte desta “voz”.


A sua experiência própria de vida serve-lhe, de alguma forma, de inspiração para o argumento?
Não de um forma estritamente directa. Sabe… as histórias têm de vir de algum lado e há sempre fragmentos da nossa experiência de vida num romance.

E não sente que está a expor a sua vida?
Expor? Não! Estou a expor uma história. Este livro é emocionalmente real, de uma certa forma, mas não é a minha vida. Além de mais eu sou uma mulher… (risos)
Após introduzir aos leitores as duas famílias protagonistas, há momentos de grande dor e sofrimento. Foi difícil, para si, escrever sobres essas situações?
A elaboração deste livro foi muito dolorosa porque há muitas perdas. Mas ao mesmo tempo acho que estas perdas eram necessárias e queria explorar esse território. Mas requereu alguma coragem para o fazer. Não foi um livro fácil de escrever.

Em algum ponto sente pena das personagens?
Não. Mas tenho de dizer que gosto muito do Leo (o narrador). Ele acaba por sofrer muitas perdas mas ao mesmo tempo mantém a capacidade de amar as pessoas. Acho que é uma personagem magnífica e acho que é uma vitória sobreviver intacto a essas perdas. Ele mantém a capacidade de continuar não só a viver mas a viver amando outras pessoas. Acho que é por isso que o final é triste mas não deprimente.

É um livro sobre pessoas, mas também sobre lugares, como o SoHo, em Nova Iorque, e épocas, como os anos 70. Porque escolheu estes locais e estas épocas?
É simples… porque os conhecia muito bem. O livro vai de 1975 a 2000. Eu fui viver para Nova Iorque em 1978 e por isso só tive de “inventar” três anos. É um lugar e uma época às quais estou profundamente ligada.

O romance requereu que fizesse pesquisas ou saiu-lhe tudo da imaginação e da memória?
Certas passagens do romance basearem-se em pesquisas. Há referências a temas de Medicina, nomeadamente a história da histeria. Nada foi inventado, é tudo material real.

A Medicina está muito presente nas suas obras?
Sim, desde há muito, desde há 25 anos, que me interesso por neurologia, história da medicina, psiquiatria. Sou muito fascinada por esses temas e não é assim tão estranho que isso se reflicta no meu trabalho. Este romance é também muito influenciado pelos ensaios que tenho escrito ao longo dos últimos 25 anos apesar de ser uma narrativa.

Há temas que, mesmo sendo bastante complexos, são apresentados de uma forma que um leitor não especializado na matéria os possa entender. Ao escrever tem alguma preocupação especial para que isso aconteça?
É uma boa questão. Acho que estou interessada em fazer um livro onde haja ecos, ou seja, coisas que se reflectem umas nas outras. Tenho a noção de que nem toda a gente que leia o livro capta todas as referências, mas isso não é assim tão importante para mim. O mais importante é que o leitor sinta o feeling do livro. Eu também leio romances e também não sei sempre tudo a que o autor se refere. Se quiser vou informar-me sobre o assunto, ou, pelo contrário, posso optar por continuar a ler. O meu trabalho é bastante denso e não espero que toda a gente perceba tudo a que nele me reporto.

O mundo da arte está também bastante presente. Tem um significado especial para si?
Sim sempre gostei de pintura desde criança. Há cerca de dez anos um editor de uma revista de arte desafiou-me a escrever sobre pintura e, apesar de ter resistido por algum tempo, acabei por ceder para escrever sobre Vermeer, que eu adoro. A partir daí passei a escrever regularmente para revistas de arte.

O fato de ser mulher de um escritor conceituado como Paul Auster é bom para a sua carreira de escritora ou acaba por ser prejudicial?
Na realidade, já há alguns países – não em todo lado – como a Inglaterra, Alemanha, França onde o questionam sobre o facto de ser casado comigo e para mim isso é uma vitória. Aqui em Portugal isso ainda não acontece.

É natural dos Estados Unidos, mas tem ascendência norueguesa. Há algum tipo de influência cultural europeia no seu trabalho?
Provavelmente, mas nenhum escritor americano pode ser escritor sem ler autores europeus. Ao mesmo tempo, o facto de ter uma mãe europeia influenciou o modo como vejo o mundo.


(Entrevista realizada em 2005)

http://portalivros.wordpress.com/2009/01/13/siri-hustvedt-entrevista-a-proposito-de-aquilo-que-eu-amava/

Nenhum comentário:

Postar um comentário